“É só a minha opinião” matou, mais um

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Pensemos, reflitamos, escutemos. Aceitemos. Mudemos.

Sempre ouvi de pessoas menos céticas do que eu a expressão “a palavra tem força”. Hoje eu entendo. Sim, a palavra tem força (…).

A primeira reflexão aqui suscitada é: quando nos tornamos tão convictos de que estamos certos? Em algum momento do processo de perpetuação da ignorância a gente deu um “upgrade” e enxertou a certeza para dentro do desconhecimento. Na contramão da evolução conseguimos dar uma blindagem às nossas limitações intelectuais. A consequência até então era decadência de índices de desenvolvimento, processos políticos com resultados desastrosos, mais besteira dita, mais mentira engolida, mais analfabetismo funcional. A ignorância sempre foi um problema, mas é preciso pará-la quando ela se torna homicida.

As nossas certezas matam. O nosso ódio mata. E a gente precisa acreditar, bem como se convencer a mudar isso. Nós inserimos paixão na política. Não digo partido ou campanha eleitoral. Política em sentido amplo: qualquer sistema que envolva o mínimo de orientação social. E então adotamos alguma perspectiva (que raramente é nossa!) e fomos colonizados pela verdade dos outros. Até aí, as vítimas, éramos nós mesmos. O problema é que a gente não mais apenas engole essa “verdade”. A gente agora a expele (posta, publica, compartilha). E já dissemos no começo: a palavra tem força – e o resultado é covarde.

Você tem direito de defender qualquer ideologia. Defenda seu representante! Expresse suas ambições enquanto cidadão. Seu egoísmo ante a particularidade de as suas ideias se compatibilizarem apenas com seu próprio bem estar. Não é algo a se orgulhar, mas tem o direito de fazê-lo. Apenas não suscite a violência. Não vença no grito. Não ofenda o desconhecido. Paremos de marginalizar a oposição. Não agrida. Essas posturas não são propositivas. A palavra tem força, o discurso ganha uma vida própria enquanto retira a de terceiros. Ninguém ganha. Uns perdem mais que os outros.

Cada vez que você que você fala mal de alguém que nunca viu em nome de uma causa que não conhece, desfila ódio e demonstra a própria ignorância. Cada vez que você profere xingamentos a um adversário ideológico, você aumenta a distância entre pessoas que vivem sob a égide de uma mesma sociedade e que vão perder mais em conflito do que pensando em conjunto. Cada vez que você apenas chama (por exemplo) um estudante (qualquer deles!) de vagabundo, está contribuindo para um estereótipo de marginalização que gera intolerância e esvazia, aos poucos, as chances de um movimento grande e articulado alcançar algum resultado político. Não precisa concordar. Mas para discordar, entender. E para entender, escutar. Só há espaço para isso onde há diálogo e só há diálogo onde não se “grita”, unilateralmente, pensamentos sobrecarregados de preconceito.

Após uma tragédia, os comentários reproduzem mais do mesmo. Talvez seja o momento de olharmos outra vez no espelho e nos reconhecermos como cúmplices de uma onda de violência que nasce dos mais variados discursos políticos (da direita e da esquerda!). Onde há, de todos os lados: pouca verdade, muita certeza e bastante ódio. Nós estamos matando. Antes de qualquer discurso (post), reconheçamos a responsabilidade de não incentivarmos um resultado que fará de nós pessoas piores – para o mundo e para nós mesmos.

Hoje, um pai matou um filho – noticia-se que por divergências em relação à uma ocupação estudantil. O ódio venceu. As palavras alimentadas por muitos, prosperou. Claro que não podemos afirmar que sabemos o que aconteceu quando os únicos envolvidos estão mortos. Mas uma coisa é certa, o discurso se alinha com o resultado da tragédia. Se não foi fruto da intolerância ideológica repulsivamente defendida por uma parcela grande da sociedade, um dia será.

Escutemos mais. Reflitamos mais. Você não precisa concordar com ninguém, mas não desfile ódio às diferenças (cruciais para a convivência em sociedade). O que você escreve, diz e incentiva, pode fazer com que pessoas sejam mortas. E já que FALTA tanta EMPATIA pela vida do outro, que haja então um juízo de responsabilidade e a sensação fúnebre de sangue inocente nas próprias mãos (e teclados).

O que a gente escreve, mata. Precisamos evoluir o discurso, pelo bem da humanidade.

No fim das contas, dos Anjos.

  Saber lidar com a morte é uma exceção. O natural [não disse “certo”!] é realmente sofrê-la, senti-la, temê-la. Eu me encontro categoricamente na segunda opção. A morte de Domingos Montagner, como a de todo artista, tem grande espaço na mídia, mas paira algo de especial. Por mais que a morte sugira apenas tristeza, há em torno dele algo de lúdico. Um conjunto de fatores contribui: a ironia pelo fato da vida do ator e do personagem traçar caminhos parecidos, repercutindo uma tragédia em um rio que devolve a vida do fictício, mas encerra a do ator; a identidade que a população criou com o personagem, com suas vontades, sua bondade, sua forma de encarar destemidamente os desafios da vida. Santo dos Anjos parece imortal, regido pelas suas convicções, pelo seu papel enquanto representante de seu povo, seu amor incondicional pela sua família… Talvez doa mais ainda saber (por mensagens daqueles que cercavam Domingos) que o personagem tinha muito a ver com seu intérprete. E talvez seja uma confusão de sentimentos o fato de que a novela, inacabada, segue, com Santo vivo e Domingos morto – ou vice versa.

  Eu não assistia novela desde a infância, época em que compartilhava o colo da minha vó. Um dia, por acaso, eu assisti a um trecho de Velho Chico. Interessei-me, para minha surpresa. Fugia do óbvio. Personagens complexos, uma realidade assimilável, de um lado uma crítica contundente da forma retrógrada de se fazer política hoje em dia, do outro a nostalgia saudosista de uma maneira de levar a vida que para muitos, infelizmente, é “do passado”. Diálogos poéticos sem ser pitoresco, o resgate de valores interpessoais, a relação de intimidade com o outro e a necessidade de se cultivar empatia pelo próximo me encantaram na dramaturgia. Os autores conseguiram construir o que se exige normalmente em uma trama, entre heróis e vilões, sem deixar de ressaltar que até do mal pode surgir algo de bem. Quando as coisas ruins aconteciam a novela ainda conseguia nos dá uma lição pertinente, atual e humana.

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  O personagem Santo dos Anjos carregava esse contexto consigo, logo, era fácil se envolver com ele de cara. Curioso que sou, nutri interesse por informações a respeito do ator também. Sempre que tinha a oportunidade me atentava ao que diziam sobre ele. Recentemente voltando de uma viagem, abri sem compromisso a revista da companhia aérea e já me deparei com uma entrevista completa com Domingos, dessas que perguntam coisas da vida, sem tanta banalidade. Conclusão: O sujeito era de uma autenticidade incrível.

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  Foi então que nesse curto intervalo comecei a admirá-lo, sobretudo pelas afinidades que compartilhamos, sem nos conhecermos – eu, de certa forma, me enxergava em algumas de suas palavras, pois a cada pergunta lida, via-se a simplicidade e leveza das respostas. Ele tinha um jeito de encarar a vida que em muito se alinhava às minhas perspectivas. O brilho nos olhos, amor pela vida e tudo que ela pode oferecer.

  Sou completamente adepto à ideia de que a gargalhada é alimento da alma. Contudo recebi a notícia de ontem como se fosse piada, mas dessa vez, fui impedido de sorrir. Nunca o vi pessoalmente, nunca conversamos, ele nunca soube da minha existência, não possuímos nenhum vínculo direto, específico, mas não é necessário. A empatia é suficiente para que compadeçamos da dor. Entender e perceber o outro, atribuir sentimento ao que nos comove, talvez seja alguma de suas tantas mensagens.

  Como as nossas semelhanças não se repercutem no seu talento, deixo as últimas palavras (abaixo) para quem, como você, tem vocação para arte, com trecho da sua música tema e sigo calejado, tentando mais uma vez, assimilar a morte de outra forma. E buscando enxergar o legado que há por trás dessa história, sem deixar de considerar o mistério em meio a qual as coisas simplesmente acontecem. Domingo Montagner, é agora, de alguma forma, também “dos Anjos”.

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“Se alguém tem que morrer

Que seja para melhorar.

Tanta vida pra viver, tanta vida a se acabar…

 um tanto pra se fazer, com tanto pra se salvar

Você que não me entendeu

Não perde por me esperar”

(Música: Geraldo Vandré).

BRASIL TU ÉS O QUE FIZEMOS DE VOCÊ

 

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Foram presos. Foram soltos. Foram mortos. Muitos de nós, embora ditos “tortos”. Culpa da justiça. Nem da lei, nem do juiz, nem do réu… Da justiça! Daquilo que representa a virtude e a felicidade da sociedade política (Aristóteles). Superamos, em muito, o romano Ulpiano para quem justiça seria “dar a cada um o que é seu”. Ora, o que é meu? Uma justiça patrimonial é iguaria nobre, que não pertence a ninguém. Se formos justos sob a perspectiva das posses, como ser justo com quem nada tem?

Brasil tu és o que fizemos de você.
Prendemos. Soltamos. Matamos. Cultuamos a violência que lamentamos. Desejamos a condenação sumária da nossa prudência. Perdemos, por prisão perpétua, a nossa condição de (ser)humano. Não nos enxergamos em nós, mas culpamos alguém. Justificamos as escolhas erradas, sem tomar consciência de que somos, dia a dia, fruto de escolhas também. Erramos. E perpetuamos a prática. Aperfeiçoamos a mágica. Cidadão é conceito único, mas não serve mais para o “cidadão de bem” – logo, hoje somos todos, enquanto não somos ninguém.

Brasil, disseram que eu devia deixá-lo. Disseram que você era um fracasso que não havia remédio que o curasse. Paciente em estado terminal, expectador da própria tragédia. Ora, somos as artérias cheias de sangue que lhe vitaliza e o gume que pela pele desliza lhe causando aquilo que o fere.

A contradição em lidar com o criminoso antes de lidar com o crime. Com o remédio antes de lidar com a saúde. Com a epidemia, antes do saneamento básico. Com a ignorância antes do ensino. Com o imediato antes do contínuo.

Nós somos o erro daqui. E erramos na tarefa de existir… A gente fica, vê se melhora um pouco, e deixa o Brasil partir.

Somos a antítese da virtude que clamamos:
Na fila, na escola, no banco, na carteira, no troco, na passagem, no estacionamento, na vaga, no trânsito, no sinal, na faixa, na vida, na carreira, na escolha, na renúncia, no silêncio, na conivência, na ignorância, na ausência, na estupidez, na nudez da nossa indiferença posto que somos o projeto da nossa existência, perplexos com a cultura que alimentamos na origem. Vilipendiamos aqueles que entendemos serem os únicos obrigados a agir com decência, na ilusão da nossa imunidade absoluta nunca concedida.

A desonestidade tem sido a nossa alma, enquanto a hipocrisia, a nossa essência.

Brasil, você deu certo. Nós é que demos errado. Abandone-nos, ou morra no mesmo barco.

 

 

 

 

[Igualmente publicado em Obvious.]

Quando direitos são entendidos como privilégios, erramos

Seria fantástico iniciar este texto exaltando a belíssima iniciativa do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em abordar direitos dos povos, questões de gênero, realidade indígena, violência contra mulher etc. Mas, se por um lado percebemos uma iniciativa memorável do Ministério da Educação (e quero acreditar ser herança da passagem efêmera de Renato Janini por ali), por outro vemos uma reação combustiva, em cadeia, do conservadorismo, do ódio, da intolerância e da falência do nosso modelo de educação (cultural, institucional, familiar). A proposta foi absolutamente satisfatória, mas é cedo para comemorar.

Na internet, é difícil rebater tantos “argumentos” desconexos da realidade. É difícil contestar mensagens tão agressivas sem que passemos facilmente por “arrogantes”. É difícil falar com quem não quer escutar, argumentar sem ser acreditado, lutar com um texto, um discurso, pequenas palestras, contra o monstro que são os séculos de deturpação da informação. Eu não consigo. Este texto não consegue. O ENEM (redação) não consegue. Por enquanto.

Para exemplificar o problema e demonstrar a grandeza do obstáculo, uma jovem que se denomina publicamente nas redes sociais como Luana e possui milhares (!) de seguidores, fez afirmações como a de que a Lei Maria da Penha, ao “privilegiar” (sic) a mulher, vai de encontro à luta pela igualdade de gênero. Sem esmiuçar detalhes técnicos, brevemente elucido que 5,43 a cada 100 mil mulheres no Brasil são mortas dentro de casa. Vítimas da denominada “violência doméstica”. O número se manteve estável desde a publicação da lei até meados de 2014, chegando o IPEA à conclusão de que a estimativa seria de um aumento de pelo menos 10% se a lei não existisse e, não obstante, em março de 2015 constatou-se uma queda no quadro – a lei trabalha com maior rigor na resposta; facilitação no “tratamento” processual; criação de medias protetivas e outros incentivos a denúncia. Ora, o mesmo dado contra homens (também como vítimas de violência doméstica, ou seja, mortos ou agredidos por suas companheiras) é tão excepcional e ínfimo que nem compõe estatística.

Perguntemos à jovem se os homens andam pelas ruas com medo de serem estuprados. Se os homens precisam olhar no espelho antes de sair de casa para não correr o risco de escolher a “roupa errada” e ser responsável pelo próprio assédio. Perguntemos se os homens precisam de vagões de trem exclusivos para não serem abusados. Perguntemos se foi o homem quem só começou a votar apenas a partir de 1932. Se os homens é que só puderam estudar a partir da primeira metade do século XIX (com limitações) e se no Brasil foram eles que só puderem ingressar em ensino superior em torno de 1879 (e mediante reprovação social). Perguntemos se são 23% dos homens que sofrem algum tipo de violência doméstica no país, e se criar cerca de 300 delegacias especializadas é uma demanda emergencial ou um privilégio. Se eu não parar por aqui, os questionamentos não caberão no limite (que é amplo) de caracteres.

Claro que mais importante do que punir e editar leis como a 11.340/2006, é combater uma cultura que banaliza essa barbárie. Devemos combater a ausência de informação e evitar que nasçam mais mentalidades como a de Luana, acreditando que ela deve ser protegida exatamente como o homem, acreditando que o conceito de igualdade é formal, sem compreender que ela contribui para que ela mesma componha uma estatística fúnebre. Não culpo Luana e seus seguidores. Eles talvez nunca tenham  ouvido falar em “isonomia”. E nesse caso, a culpa talvez seja nossa. Quando uma medida que existe para combater a violência cotidiana contra as mulheres, vítimas dentro de suas próprias casas e pelos seus próprios companheiros é confrontada exatamente por uma mulher, apontando, sem nenhum senso de realidade e total desprestígio crítico, que a iniciativa é desnecessária e fomenta a desigualdade, no mínimo há algo grave por trás disso. Nossas escolas e nossa sociedade estão errando (e muito) desde sempre. Se Luana possui discernimento suficiente e aptidões cognitivas normais, é, de alguma maneira, vítima de uma formação educacional amputada, que leva milhares consigo. Somos responsáveis por nos furtamos das responsabilidade na transmissão de informações verdadeiras. Ao negligenciarmos o jogo político do escambo de cargos públicos, ao aceitarmos que a cadeira de um dos ministérios mais importantes do país (o da Educação!) seja moeda de acordo político ou punição para não-aliado. Sentar ali, hoje em dia, é considerado ser “rebaixado” – “tanto ministério que dá mais dinheiro e menos dor de cabeça dando sopa”, é o que pensam.

O trajeto inverso é mais difícil. Evidentemente, gostaríamos que Luana tivesse vivenciado uma educação emancipadora. Por ora, o nosso trabalho, diuturnamente, deve ser pautado em enfrentar essas deturpações. De todo modo, não deixa de ser triste, saber que a ignorância de Luana e de seus confidentes, mata todos os dias. Concluo como iniciei: O ENEM foi progressista e ao mesmo tempo em que elucida o esforço de alguns institutos ante uma realidade de fracasso, escancara o quanto ainda é preciso caminhar e desconstruir os subterfúgios de um discurso que mascara o fato de sê-lo, na essência, suicida (no mais amplo sentido).

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De Quincas Borba a Eduardo Cunha: O que os “machadianos” têm a dizer sobre a conjuntura política atual?

                                    

 

“… Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”.

(Quincas Borba de Machado de Assis)

Há certas riquezas que inevitavelmente não podem ser desfrutadas por todos e a literatura realista brasileira sugeria como resultado natural desse conflito de interesses a lei do mais forte. Aperfeiçoada ao longo do tempo e afastada de um imaginário meramente fisiológico, hoje, mais atual que nunca.

Para nós, qualidade de vida, direitos e dignidade. Para as tribos de Quincas, batatas. Machado de Assis por meio dos personagens Quincas Borba e Rubião, há muito fazia uma leitura da sociedade moderna e a sua relação com a “finitude” dos seus recursos – falemos de Brasil. Você pode até imaginar uma metáfora óbvia, na qual os políticos representam uma das tribos, nós representamos a outra e nosso dinheiro, as batatas. Mas não. Somos o avesso do humanitismo Machadiano. Cultuamos essa “guerra” pelos recursos e saldamos os vitoriosos, sem ao menos fazer parte de qualquer dos lados, embora sejamos os cultivadores do tubérculo.

Não vim aqui falar só de literatura. Antes fosse. O enredo é até semelhante, os personagens é que não são fictícios. Nas terras (já não mais) tupiniquins, uns governam, outros resistem, outros assistem, ninguém colabora. No primeiro capítulo do ensaio, a reação do povo, personagem que não participa da guerra, mas entrega batatas.

– PSDB protocola pedido de cassação do mandato de Dilma.

– TCU aponta “pedaladas fiscais” que podem gerar impeachment.

– Eduardo Cunha aprova análise de pedido de impeachment.

– Hélio Bicudo e Miguel Reale protocolam pedido de impeachment na Câmara.

– Internautas criam petição online pro- impeachment para incentivar parlamentares.

– Cunha rejeita um dos quatro pedidos de impeachment.

– TSE retoma pedido de cassação de mandato de Dilma.

– Oposição realiza abaixo-assinado para manifestar desejo de impeachment.

– Surge movimento parlamentar Pro- impeachment (com site institucional e tudo mais).

– TCU avalia contas e tomará decisão que pode gerar impeachment da presidente.

À nossa revelia seletiva, há que se indagar o acontecimento de outros fatos…

-Quem está discutindo se o Cunha (que bem poderia ser o Brás Cubas ainda vivo) pode perder o cargo pelas contas (inclusive já bloqueadas) que mantém irregularmente na Suíça? [Fonte: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,suica-confirma-cunha-foi-informado-sobre-congelamento-de-seus-ativos,1775162%5D

-Quem está observando a Câmara facilitando dívidas de outros entes com a União (o que agrava a situação financeira desta)? [Fonte: http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/03/camara-aprova-aplicacao-imediata-de-lei-das-dividas-estaduais-e-municipais.html%5D

-Quem reclamou quando o Senado aprovou o PERDÃO de 2 bilhões (isto é 10 VEZES mais que toda a economia gerada com a proposta da reforma ministerial) para planos de saúde? [fonte: http://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/perdao-de-2-bilhoes-para-os-planos-de-saude-12136524%5D

-Quem achou um desperdício a Medida Provisória aprovada na câmara e negligenciada no senado que propõe (embora alguns aumentos de tributos) a criação de um shopping para os parlamentares orçado em 1 BILHÃO? [Fonte: http://oglobo.globo.com/brasil/senado-aprova-ultima-mp-do-ajuste-fiscal-mas-se-rebela-contra-parlashopping-16286423].

– Quem consegue lembrar que os crimes da Lava-Jato – aquele grande “esquema do PT” contra Petrobras (sic) – envolveu PP, PMDB e PSDB (inclusive com repasses ao ex-presidente do PSDB, Sérgio Guerra)? [Aqui não faltam fontes, mas esse texto condiz com o assunto: http://jornalggn.com.br/noticia/lava-jato-1%C2%AA-condenacao-envolve-supostos-desvios-para-psdb-pp-e-psb]

– Quem está preocupado com o aumento dos salários e benefícios que o congresso tem votado em benefício próprio? E que pode gerar efeito cascata nos Estados. [fonte: http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/10924%5D

– Quem está de olho na constante pauta de reajuste de vencimentos de servidores públicos de carreira? Reflitamos: A advocacia pública sofria defasagem salarial? Sim. Os servidores do judiciário, MP (Ministério Público) e MP de Contas sofrem com ausência de reajuste e perda real do valor dos seus vencimentos? Sim. Todas as carreiras devem, no decorrer do tempo, serem beneficiadas por reajustes, acompanhando o processo inflacionário e inseridas em um processo de valorização institucional linear? Sim. Ocorre que, o surgimento desse tipo de pauta este ano com as contas como estão e com o impacto que elas podem gerar, não é apenas uma coincidência. [fontes: http://www.brasilpost.com.br/2015/08/06/derrota-governo-na-camara_n_7946584.html  +  http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/06/senado-aprova-aumento-de-ate-78-para-servidores-do-judiciario.html e http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/08/senado-aprova-aumento-de-41-ate-2019-para-servidores-do-mp.html].

“ Não é só nas ações que a consciência passa gradualmente da novidade ao costume, e do temor à indiferença. Os simples pecados de pensamento são sujeitos a essa alteração, e o uso de cuidar nas coisas afeiçoa tanto a elas, que, afinal, o espírito não as estranha, nem as repele.”

Com o que estamos preocupados, afinal? Sejamos mais criteriosos. Essa “síndrome de Estocolmo” que alimentamos com a oposição do “pro-impeachment” – enquanto eles adotam uma série de medidas que, para prejudicar a governança do executivo federal, atinge diretamente a população – no mais sutil dos eufemismos, não parece sábio. Seríamos Rubião cultivando afeto por Cristiano e Sofia*? [personagens da obra de Machado de Assis, onde aquele primeiro, inundado pela confiança ingênua depositada nos dois últimos, é reduzido à ruína].

Permitam-me um palavriado popular: Se o barco afunda, você vai junto! Quem ganha? Com certeza ganha o Vice, o partido dele, seus aliados e os que se articularem para o novo mandato. Nada ganhamos eu e você.  Contudo, vamos ao óbvio (que negamos): Pode tirar a Dilma e colocar o Obama e a Angela Merkel para governar o Brasil que não haverá “a solução” para o problema econômico.

Mesmo se um franciscano assumir no lugar da Dilma, ele também terá de adotar medidas de austeridade (que machucam a população) para pagar as contas (e sim, boa parte delas resultado de escolhas do Partido dos Trabalhadores, mas manifeste este inconformismo na eleição), e o motivo é o de que essa conversa de reduzir o próprio salário e cortar ministérios (embora atitude necessária e correta!) tem impacto irrisório na resposta bilionária que precisa ser dada às contas públicas.

Digo-vos com honestidade que não faço uma defesa ao governo de Dilma, mas um apelo à sociedade! Qual seja: E-v-o-l-u-a-m-o-s.

 

“…não há serenidade moral que corte uma polegada sequer às abas do tempo”

O inconformismo com o PT é válido. Os erros na política financeira realizada pelo partido na última década são evidentes. Mas quando a prioridade é apenas impedir a Dilma Roussef de governar, defende-se um suicídio político-social. Esta inquietação ideológica podemos externar em 2018. Por enquanto, paremos de defender um congresso (pro-impeachmt) que aumenta os gastos do país apenas para prejudicar o governo, como se prejudicar o governo não fosse a mesma coisa que prejudicar a minha vida e a sua. Saiba que se a possibilidade de ajustar as contas se tornar cada vez mais distante e dificultosa, mais distante também será a nossa possibilidade de deixar de sentir a crise que ela suscita (e tem custado caro).

Priorizemos o mínimo de raciocínio político em detrimento das nossas paixões. Por paixão, Rubião de “Quincas Borba” perdeu toda a sua fortuna e morreu enxergando-se afortunado, mesmo que vítima da própria ingenuidade em meio a uma sociedade de máscaras, que usufruía de riquezas que vieram do acaso – à filosofia humanitista empregada na obra, a moral não é pressuposto da convivência, mas pelo contrário. A dissimulação e o convencimento é subterfúgio para a manutenção de uma relação de domínio (ainda que ideológico).

Ao vencedor, as batatas” exclamou Rubião antes de falecer como miserável, acreditando sê-lo Imperador Francês. De olhos abertos e desconfiando dos bem intencionados, fujamos das consequências enquanto há tempo.

“Antes de principiar a agonia, que foi curta, pôs a coroa na cabeça, — uma coroa que não era, ao menos, um chapéu velho ou uma bacia, onde os espectadores palpassem a ilusão. Não, senhor; ele pegou em nada, levantou nada e cingiu nada; só ele via a insígnia imperial, pesada de ouro, rútila de brilhantes e outras pedras preciosas.”

……

Nota: Tive o privilégio deste texto ter sido igualmente publicado pela revista virtual Pragmatismo Político: aqui.

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“Quando o Estado exclui, o crime inclui”

….

PEC 171 e Redução da Maioridade Penal.

crianças

Há pessoas que resistem à proposta legislativa em tela por generosidade humana. Não sou uma delas, embora os admire. Eu, tão como você, falho na tentativa de “amar ao próximo mesmo que o tenha prejudicado”. Sabe o que eu sinto quando descubro que um adolescente matou um bebê (como noticiado dias atrás)? Desprezo, muita raiva, uma dose de pessimismo etc. Quando acabo de ser assaltado fico ali, por alguns minutos, desejando o que há de pior para o cidadão culpado. Quando algum familiar tem a vida posta em risco, penso imediatamente em algum tipo de violência contra aquele que o ameaçou (penso, embora não defenda). Então por que sou a contra a redução da maioridade penal? Porque desejo que situações como as exemplificadas deixem de acontecer.

Começar a se preocupar com aquele que comete condutas criminosas, é se preocupar com a sociedade como um todo e entender que o crime emana dela. As palavras a seguir não são um manifesto, mas um convite. Não temos escolha, precisamos falar sobre a maioridade penal. Inicio propondo que tenhamos argumentos honestos.

(…)

Ninguém (que participa desse debate) está defendendo o crime, a criminalidade ou a liberdade da atividade ilícita. Esse é um dos piores “argumentos” usados em desfavor àqueles que são contrários à redução da maioridade. O outro grande erro é tentar desqualificar o opositor intelectual, no lugar de observar o objeto do que se discute: a medida em si e seus efeitos.

Façamos então uma reflexão com base no que muitos defendem (inclusive a PEC 171) e materializando o que ela(eles) acredita(m): Imaginemos que a redução da maioridade penal se concretize (aprovação da PEC, modificações legislativas decorrentes etc.); além disso, imaginemos também que o Brasil (já com uma das maiores populações encarceradas do mundo) dobre o número de presídios existentes a fim de suportar a demanda (que inevitavelmente surgirá). Todos os delinquentes são presos (sem deixar de considerar que, muito provavelmente, eu e você também seríamos punidos, ante a facilidade em se cometer, sem saber, algum ato infracional – a respeito, deem uma olhada na Lei das Contravenções Penais)… Continuando… Esse mundo teria uma enorme quantidade de pessoas encarceradas. Cada vez mais, de maneira ininterrupta porque ele é, sob a perspectiva defendida, absolutamente eficiente.

Um parêntese: A prisão não corrige ninguém, certo? – E isso não é uma especulação, mas um conhecimento empírico, resultante da equação, Brasil + número de presos + índices de criminalidade, certo?

Ora, se alguém (de ambos os lados) defende que a prisão tem corrigido criminosos, diga-nos onde você reside, porque esse lugar seguro é onde todos querem viver.

Retomando…  Na sociedade idealizada no nosso exercício pedagógico, as pessoas são presas, boa parte delas para sempre (morreriam na cadeia), outra parte delas por muitos anos, uma parcela menor por poucos anos. Por fim, uma quantidade significativa de pessoas vai voltar para a sociedade (ainda que em momentos distintos) e, eventualmente, vai voltar a delinquir. Vão, portanto, voltar também para a prisão (já que o cárcere ideal é eficiente na resposta punitiva e ninguém sairá ileso).

Não vou trabalhar a hipótese da sociedade ideal matar os criminosos, porque os fundamentos  da negativa a pena de morte exige um post específico.

Se você não perdeu o raciocínio da proposta, pergunto:  O que há de errado no seu resultado? Respondo: Não há a redução de condutas criminosas. Como posso concluir dessa forma? Porque a prisão nunca reduziu o crime e a medida defendida atualmente, não propõe alternativas à criminalidade, mas apenas ao criminoso (o encarceramento). Logo, se propusermos mais do que as ambições da própria PEC, não seria uma reflexão honesta.

Claro que nesse percalço existem variáveis que podem influenciar nos resultados que especulamos. O que não invalida a didática do exemplo, pois (repito!), trabalhamos apenas com uma reflexão pedagógica.

 

Bom, encerrando a divagação, questionemos… O que queremos, afinal, é vingar os danos já sofridos, ou evitar que as pessoas sofram danos (materiais: no seu patrimônio; imateriais: a honra ou até a própria vida)? O que é melhor, uma vingança pela morte do seu familiar (filha, pai, irmão…) punindo o homicida, ou garantir que seus outros entes não sejam assassinados e que outras pessoas não percam seus familiares? De imediato, perguntando diretamente à pessoa prejudicada, as primeiras opções parecem mais satisfatórias e expõem o que há de mais difícil na resistência à redução da maioridade penal, que é abrir mão de um egoísmo instintivo (embora o contrário não se traduza em altruísmo).

Ocorre que, quando o Estado se preocupa em punir o criminoso, é porque o crime já aconteceu! Se existe uma pauta que sempre devemos defender, onde quer que ela esteja (congresso, sociedade civil, presidência da república) é a da criação de medidas voltada às causas do crime!

Para fechar a reflexão afirmo: Parte dos elementos dessa situação hipotética narrada já é uma característica atual do Brasil. A parte que foi fictamente acrescentada (como “ideal”), é justamente aquilo que boa parte dos brasileiros pretende alcançar com a proposta legislativa que está pautada.

(…)

Algumas informações pertinentes.

Possuímos (Brasil) mais de 500.000 presos. Vivenciamos a recorrência das mesmas atrocidades, a sensação crescente de insegurança e um índice de reincidência criminosa de 70%. O que buscaremos, com a redução é: mais presos, o mesmo (ou maior, a exemplo de países que citarei) número de atrocidades, uma sensação mais acentuada de insegurança (a título de exemplo: reduzamos a maioridade para 16; o latrocínio vai buscar os rapazes de 15, aqueles de menor faixa etária, para puxar o gatilho, inserindo na atividade ilícita uma parcela nova da sociedade), a mesma sensação crescente de insegurança, quiçá piores índices de reincidência (os 70% se repetem nas casas de internação [1]), já que com gente mais fácil de ser influenciada/manipulada [1] e, portanto, instruídos por uma “escola criminosa”, com mais chances de voltarem a delinquir.

Então a quem importa a redução? Se alguém vai sair ganhando, não será a sociedade.

Posso imaginar que, aquele que é a favor da redução da maioridade penal e leu o texto até aqui (desde já, agradeço, independente dos seus motivos) já começa a esboçar alguns questionamentos… Tentemos refutá-los (ou entendê-los).

“Então o Estado não deve fazer nada em relação ao menor que comete um crime?”

Não só deve como faz – nesse ponto é até pertinente discutirmos a ineficiência desse trabalho que se aproxima em muito à ineficiência do sistema carcerário convencional (de adultos) – , pois a partir dos 12 anos de idade há medidas de “responsabilização”  para menores que comentem infrações. Tais instrumentos são, teleologicamente, de cunho socioeducativo (ou deveriam ser). A ideia a ser defendida é a de que as medidas de socioeducação (as existente são: reparação do dano, liberdade assistida e internação) se tornem mais amplas (com a menor necessidade de internação e maior oportunidade de alternativas “ressocializadoras”); sejam praticadas com concretude e possam ultrapassar os muros das casas de internação de menores, de modo a alcançar também os presídios. [Isso sim!] E não que o encarceramento (isoladamente), em um caminho inverso, saia do âmbito dos presídios e alcance as casas de internação de menores (efeito aparentemente pretendido pelo congresso). Os motivos? Quando você coloca mais gente no cárcere, você distancia um número maior de pessoas das medidas de socioeducação (que ainda são poucas, mas não se pode avaliar sua eficácia, porque não são aplicadas ou o fazem de maneira incorreta – em estruturas inadequadas, como quartéis, por profissionais não preparados etc. – o que dificulta o diagnóstico) e, dessa forma, os aproxima da reincidência (ratificada pelos números). Nos países onde houve redução do crime, não houve aumento do encarceramento (a Escandinávia de modo geral – voltarei neste exemplo logo mais, já que é uma comparação que costuma ser resistida).

Para complementar: Defendo o “não”, porque não funciona.

(Não desista do texto, se você já leu até aqui,  permita conversarmos até o final).

Nos 54 países onde houve a redução da maioridade penal não houve redução da criminalidade [2]. A Alemanha reduziu e voltou atrás (reduziu em termos, há quem defenda que na verdade criaram medidas de responsabilidade para menores sem encarceramento, como acontece no Brasil desde 1990 com o ECA, a diferença talvez seja apenas conceitual, mas de todo modo, também não funcionou). A mesma Alemanha que a gente gosta de usar como espelho para falar em índices de educação e eficiência institucional.

Há aqui, na minha avaliação, o ponto crucial!

Cientes disso, a medida surgiria como efeito placebo? Apenas sentimento de vingança coletiva? Reitero a ideia que abriu o texto e pergunto mais uma vez, o que seria mais importante: Retribuir o mal a alguém que te fez mal (o que até é uma vontade natural e humana), ou buscar meios de impedir que o mal que fizeram não se reitere, tanto contra você, como contra qualquer semelhante? Não precisamos de uma sociedade confortável (que se sente bem porque sabe que existe muita punição vigente), precisamos de uma sociedade melhor (porque possui menor incidência de crimes para ter de punir).

– “Luiz, você está defendendo que não reduzir a maioridade penal resolve o problema da reincidência?”

Seria uma imbecilidade. Estou dizendo que a proposta, comprovadamente, além de não ser funcional, possui grandes chances de piorar um quadro que já é caótico. Logo, não há sentido em defendê-la.

Reduzir ou não reduzir a maioridade não impede a reincidência (embora a primeira opção possa agravá-la).

Enquanto a população se preocupar primeiro em fortalecer a força policial (a violência legítima estatal de modo geral) no lugar de fortalecer a escola, qualquer medida tomada é ilusória e eleitoreira.

O New York Times publicou em 11 de maio de 2007 uma reportagem apontando que um número expressivo de adolescentes que foram submetidos ao sistema penal e cumpriram a integralidade da pena (o que muitos brasileiros defendem como ideal) não só reincidiram, como cometeram crimes ainda mais graves [3]. Motivo pelo qual o próprio país em alguns estados tem buscado AUMENTAR a maioridade penal [4].

– “As medidas atuais são inúteis porque 3 anos [tempo máximo de internação] é muito pouco, o jovem vai voltar a delinquir porque fica pouco tempo detido”.

Não se comete crime por desconhecer as consequências. Em regra, você deixa de beber por conhecer os riscos do álcool? Quem já visitou um presídio sabe que nenhum indivíduo quer ficar sequer 24h dentro dali. Passar de 3 para 5 ou 10 anos, não vai fazer com o crime deixe de ser um atrativo. A maioria dos criminosos possuíram inúmeros “colegas” que já foram mortos em virtude da atividade criminosa, ou seja, nem a morte (aparente pior consequência possível) é suficiente para que se deixe de cometer infrações. Ele volta a delinquir porque encontra a mesma realidade, as mesmas condições (ou ausência delas) e porque (se não se quiser falar em “oportunidades”) o confinamento não foi capaz de mudar a sua percepção de mundo (pelo contrário).

– “Ah, mas tem mais jovens que adultos cometendo crime; muitos deles possuem formação e dinheiro”.

Não. Os menores são o rodapé das estatísticas. O crime é mais cometido por adultos, os casos de delitos cometidos por menores têm mais repercussão televisiva, o que não expressa números, mas uma percepção (errada) da realidade. Por quê? É interessante para a audiência.

Um número pífio de jovens infratores pertence a um quadro social favorecido (e quando pertence geralmente o crime está associado ao tráfico – outro assunto deturpado e evitado).

Veja números:

Observou-se em pesquisa realizada na última década, que apenas 3,96% dos adolescentes que estavam cumprindo medida socioeducativa tinham concluído o ensino fundamental [5]. Pense bem, mais de 96% dos jovens infratores responsabilizados não possuíam ensino fundamental. Como dizer que não há relação com o quadro social? Como não há responsabilidade dos agentes públicos? Como estigmatizar e ironizar campanhas como “mais escola, menos cadeia”?

(…)

– “Mas aos 16 anos você já sabe a diferença entre certo e errado”.

Ok, mas não se definem critérios e medidas de criminalização com esta análise. O importante é concluir e entender, com algum senso científico, que a mentalidade, a construção de conceitos (sobretudo éticos) e até mesmo a personalidade de um adolescente na idade sugerida, está em formação e depende de referências. Significa que ele pode cometer atos infracionais? Claro que não! Significa que ele deve sofrer tratamento diverso do adulto, quando ocorrer, para respeitar as diferenças cognitivas pertinentes e para permitir maiores chances de ressocializá-lo.

 

O que propor?

Reforçar as diretrizes e medidas estipuladas no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), criar instrumentos (se for o caso, legislativos) de executá-lo com inteireza. Fazer cumprir a Lei de Execução Penal (observando também a população carcerária adulta). Criar (e consolidar os poucos existentes) mecanismos de ressocialização. Na Suécia (como prometidovoltei para a Escandinávia!) o índice de reincidência (nas poucas prisões que existem) é menor que 20%. “Ah, mas a nossa cultura é diferente”. Sim, é mesmo e isso é um grande problema, mas não uma justificativa. Precisamos modificá-la! Não por acaso defendemos mais cadeia e pena de morte, enquanto eles apoiam a reabilitação (para nós, isso é coisa de direitos humanos e direitos humanos são para “apoiar bandido” – somos ignorantes ou por opção ou por indução, ainda não decidi qual defender).

Existe alguma maneira de, desde já, buscar reduzir a incidência de crimes, em especial aos cometidos pelos adolescentes?

Sim, mapear o problema. Observe os dados referentes aos internos (menores) infratores da Fundação Casa (São Paulo; uma das maiores do Brasil), cuja fonte é o próprio site institucional: apenas 23% deles possuem ambos os pais; 49% vieram de lares de pais separados; 27% o pai faleceu; 24% a mãe faleceu; 44% deles o pai é vendedor (autônomo) ou trabalhador não qualificado, este número, em relação à mãe é de 75% [6].

 

– “Então quer dizer que o único fator para a criminalidade juvenil é social?”

Semelhante ao que foi defendido pouco acima: Não, mas ele é  determinante.

A separação dos pais, a convivência com apenas um deles por razões diversas (como a morte do outro) é causa da criminalidade juvenil?

Não. Seria uma abordagem reducionista, mas é possível concluir e identificar um tipo de estrutura familiar (ou a ruptura dela) na realidade do delinquente. E é possível criar mecanismos para reestruturá-la. Sem proferir discursos muito conclusivos, a percepção é de que a falta de políticas públicas nessas áreas fomenta a exposição ao crime. Criá-las, é combater o crime na causa, prender é achar que combate [nos efeitos!].

Quer mais opiniões? Esse texto publicado no portal do Ministério Público do Paraná por um promotor de justiça traz apontamentos muito pertinentes: http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=255.

(…)

– “O que você quer é acabar com a cadeia e liberar os bandidos?”

Acabar com a cadeia não é acabar com a responsabilidade penal. Se o encarceramento não é funcional para a sociedade, se não cumpre o caráter ressocializador (quer você concorde ou não, é a função basilar da pena), não há motivos para a defendermos. Mas é um assunto mais delicado, grandes teóricos da criminologia não visualizam substituição para a pena em si, mas alternativas mais socioeducativas para as prisões (caso elas persistam). De todo modo, resistir à redução da maioridade penal não é defender o fim da cadeia, mas se aproxima da campanha pela ampliação do viés da socioeducação em detrimento de um confinamento isolado.


Pronto, já tomei muito do seu tempo, tentarei concluir a ideia…

Um dos grandes problemas do brasileiro (punitivista) é acreditar que criar medidas socioeducativas, observar e transformar a realidade do delinquente é transformar o infrator em “coitadinho”; é, na linguagem popularizada, “ter pena de bandido”. Na verdade está muito mais próximo de uma ideia de pena de si mesmo. É  atitude de que tem pena dos próprios filhos e netos diante do mundo visceral em que viverão caso permaneçamos inertes.

Modificar a vida do outro (que está mais pretenso à delinquência) é, nesse caso, garantir melhorias para a minha vida e a sua. A partir do momento que conseguirmos enxergar essas propostas como responsabilidade social em vez de “caridade esquerdista” o debate amadurecerá. Não sejamos ignorantes por opção. A cultura é uma prática atrelada a história e a consciência coletiva. Todos estes elementos podem ser modificados.

………..

Se eu não te convenci, não tem problema, pois nunca foi a intenção. José Saramago, um dos nomes mais fantásticos que já surgiu na terra dos Braganças, dizia que a tentativa de convencer o outro, é falta de respeito, pois significa uma tentativa de colonizá-lo. O conhecimento é fruto de uma construção coletiva, aprendemos até com o que refutamos. O que eu clamo, é que tratemos este assunto com a honestidade que ele demanda. Não inventemos um discurso nosso dizendo que é do outro para satisfazer o desejo de estar certo.

Não se engane com a ideia do “é apenas a minha opinião”. Opiniões reforçam discursos. Discursos fomentam práticas. Algumas práticas revolucionam a realidade. Se você, apenas alimentando aquilo que chama de “suas ideias” conseguir compreender que elas possuem força de, quando somadas, transformar vidas (inclusive a sua), terá mais responsabilidade ao defendê-las.

A possibilidade de estar errado não me assusta, pelo contrário. Se for o caso, me convide a descobri-la.

“Onde quer que haja mulheres e homens, há sempre o que fazer, há sempre o que ensinar, há sempre o que aprender”.

Vai ter Paulo Freire sim!

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[1] Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) em análise realizada pelo CNJ em 2011.

[2] – UNICEF. Age of criminal responsibility (Idade de Responsabilidade Criminalidade).

[3] Unicef – http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Diversos/estudo_idade_penal_completo.pdf – p.34].

[4]: http://noticias.terra.com.br/mundo/estados-unidos/estados-americanos-querem-elevar-maioridade-penal,32394af60c6ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html]

[5] – Caderno 1 DCA – SNDH – MJ – Atendimento ao adolescente em conflito com a lei – Coleção Garantia de Direito

[6] http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/

Diga o que você pensa, defenda seu ponto de vista aqui! Clique ao lado, no início do texto, no link colorido “DEIXE UM COMENTÁRIO” e continuamos a conversa.

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Para dizer que me lembrei das flores

Hoje resolvi falar da Rosa. Já passara da meia idade. Pouco mais de 70 anos. Um sorriso bonito, um olhar contagiante, coração forte e pulmão virgem. Provavelmente ainda muitos anos de vida pela frente. Mas ele resolveu turbilhoar esse caminho. Ele lhe retirou parte do seu brilho. Ele a entregou um motivo que, depois de vivenciadas tantas justificativas para sorrir, lhe desse apenas, vontade de chorar. (…) Estive com Rosa, em minha casa. Havia outros. Um almoço aconchegante. Ela esboçava algumas palavras sobre tudo, mas em um súbito, em uma manifestação que atraia atenção de todos, acabou por não concluir nada. Franziu a testa, tentou retomar o raciocínio… As pessoas a observavam com curiosidade, alguns até gargalharam… Cogitei que ela tivesse exagerado no vinho. A princípio aquilo a enfureceu, pois era culpa dele e ele não tinha o direito de lhe amputar essa inata característica de comunicadora. Ocorre que do sofrimento que ele causaria, concluiríamos, aos poucos, que não seria possível se furtar. Daí por diante, tudo apenas piorou, pois ele foi ainda mais incisivo e impiedoso noutras oportunidades. (…) Ele levou sua alegria, sua graça e lhe trouxe uma frustração profunda. Olhando em seus olhos era possível notar seu descontentamento em progressão. Parece que a vida se esvaia. Sofri junto com Rosa, sofri com a nossa impotência. O que podemos fazer? Rosa tinha consciência de que perdeu o melhor de si, e pior, tinha consciência do que ocorria na hora em que acontecia (antes não notasse, nem entendesse) e sabia que não era capaz de evitar aquele constrangimento – não sabia, contudo, que não havia motivos para ser constrangedor, mas Rosa era vaidosa e essa sua característica, antes uma qualidade inestimável, hoje, inimiga. Tantas vezes me perguntei porque ele agia assim… Em uma de nossas conversas, como de costume ela interrompeu a ideia a caminho do desdobramento… respirou fundo, me fitou em silêncio, desapontada consigo mesmo, frustrada com a  situação, com a forma com que ele a deixou e cansada de resistir. Mantive-me também calado, não sabia exatamente o que pronunciar, não tinha certeza das palavras que ela gostaria de dizer, portanto, não havia como oferecer auxílio. Ambos, atônitos e eu, inconscientemente sem conseguir evitar o olhar de piedade. “É que… Foi quando… quando… O que é mesmo?”, dizia ela, como quem tem uma pequena falha na memória. Teria sido natural, se lágrimas não escorressem dos seus olhos, pelos vários minutos (intermináveis) em que tentou formular uma frase curta e banal. Não era possível!  Logo ela, Rosa! Acostumada a “prosear” por horas… Nesse dia, não conseguiu concluir nenhuma frase, sequer proferiu palavras lógicas. Permanecemos inertes por horas. De cabeça baixa, resolveu não insistir e esboçou um sinal de sorriso de quem se dá por vencido em um rosto molhado pelo choro. Doía nela. Doía em mim. É aí onde ele é mais cruel, quando torna todos ao redor, reféns das suas circunstâncias. Por esse dia, por me impedir de ajudar Rosa, por permitir que Rosa assistisse como expectadora de si mesma o seu próprio definhamento cognitivo e intelectual, eu nunca vou perdoá-lo. Prefiro concluir aqui, calado, refletindo essa crueldade silenciosa que ele, Alzheimer, é capaz de irradiar. À Rosa, no nosso último contato (ela estava em um daqueles dias bons), eu lhe disse, categoricamente: – Não importa do que você se recorde, eu estarei aqui; ainda que você não reconheça sua casa, farei com que você tenha motivos para se contentar em estar lá… se você não reconhecer o meu rosto, farei com que goste da presença daquele estranho, estando ali apenas para te agradar…  lhe calçarei os sapatos, lhe amarrarei os cadarços, lhe servirei comida no prato, enquanto a vida me permitir respirar. Quero crer em uma vida no céu, onde as fantasias humanas permitam que as rosas que daqui partiram, se habitem para sempre por lá. Afinal, o mundo se torna mais escuro a cada murchar de uma flor.

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Aos “patriotas de verdade” digo: Não se atribui hierarquia a dores e paixões!

 
brasil
 
Eu até poderia falar sobre a derrota do Brasil… Sobre o quanto eu gosto de futebol, ou se odeio futebol. Sobre o quanto foi humilhante, ou sobre o que não é humilhante. Mas já tem gente demais falando exatamente isso – embora sempre tenha gente demais falando sobre qualquer coisa na janela virtual que emana a “sapiência” do poder de consulta (“googlear”).

Quando coisas diferentes despertam a mesma natureza de sentimentos, caímos na tentação de colocá-las na mesma balança, com a mesma significância, quando não o são. Eu posso chorar porque sofri e também chorar porque ganhei e não é epistemologicamente possível eu buscar o grau de relevância de reações que (embora comuns na fonte) são, quando não opostas, ao menos bem diferentes. Eu posso sofrer pelo Brasil enquanto país e pelo Brasil enquanto clube! Nesse caso, é quase o mesmo sentimento, mas com gênese diferente e um não é, necessariamente, menos “nobre” do que o outro, ainda que com relativas “importâncias”.

Se me comovo com o número de homicídios no Brasil (ou no mundo)? Claro que sim! Mas isso não me impede de sofrer pelo futebol, que é reconhecido como um patrimônio nacional, difusor de paixões trazidas do berço (pelo menos do meu). Gostar de futebol, de música ou daqueles quadros “diferentes” de uma Tarsila do Amaral, não me faz com que eu seja uma pessoa que dá mais prioridade para o esporte ou para a arte do que para a vida, a saúde e a educação. Posso estar enganado, mas não enxergo a coerência dessa comparação. É uma proposta de reflexão nada inteligente (embora assim se proponha) e sem pragmatismo no resultado. Ora, diante das dores e das paixões, não há hierarquia, nem precedência lógica!

…E eu até agora não entendi a relação entre os 7 gols sofridos pelo Brasil com a guerra na palestina, mas se pudesse impediria o resultado de ambos.

 

Das desilusões auto-iludidas e o que resta

Ei moça, eu posso até dizer que tenho raiva, posso até dizer que me causa mágoas, mas escondo as reais palavras, escondo a verdade que me aflora e os sentidos que de mim se apoderam. Escondo-me de ti, por receio, ainda que aos poucos me note e eu me esquive como alguém que nega.

Ei moça, eu até finjo ser um alguém de coração duro. Eu até me faço valente, inerte à maneira que se encontra o mundo… Indiferente às mazelas expostas… indiferente às feridas nossas. Mas por aqui as coisas são diferentes, eu gosto de deixar assim, com o escuro aspecto de guardado. Eu opto por fazer dessa forma, por medo de que eu não entenda as minhas lacunas; por receio de que não esteja ao meu lado…

Ei moça, eu olho pra você e finjo traduzir uma frieza, eu fecho meus olhos e morro por dentro, mas eu faço de tudo para que não veja, mas faço impossível para que você eu veja (sempre). Num círculo vicioso de quem não sabe o que quer, mas gosta que seja assim. Eu não entendo; você não sabe (…). Eu tenho desejos que confrontam com o risco de que você escape e a angústia apaixonante da dúvida é que não tem fim.

Ei moça, eu me pergunto o que será de nós. Eu me pergunto o que farei quando ficarmos a sós. Eu tenho medo do que eu possa ser quando tudo deixar de ser assim… Ah, mas pouco a pouco vou pedindo arrego, pondo pontos nas conjecturas me inserido adentro e deixando, numa pausa longa a porta se abrir. Mas ainda aguardo desbravar o mundo, vencer os meus monstros e me tornar um rei num trono de marfim.

Só que um dia desses, num amanhecer, eu tinha guardado longe demais o que era feito para “ser”  e você simplesmente deixou de me esperar, assim.

E foi aí que eu descobri como é morrer e continuar vivendo. Induzindo à própria ilusão, construindo o próprio sofrimento. E foi no dia que eu olhei pra fora e gritei por mim.

Ei moça…?

 

 

O ensaio é real, mas a cegueira é cognitiva

Com uma semana repleta de imagens internacionais fortes, eu fortaleço minha concepção hobbesiana das coisas mundanas, no mais primitivo do seu enredo, sintetizo com a célebre: “o homem é o lobo do homem”. José Saramago, escritor português em seu livro Ensaio Sobre a Cegueira ilustra brilhantemente, ainda que submerso em um ideal fictício, a essência animal que nos aflora quando postos a prova. A sobrevivência é pressuposto da resistência, é a explicação para as atitudes mais grosseiras, para a “arte” de se digladiar, se canibalizar etc. e o livro não é a única referência a esse estado natural do homo sapiens, mas é pelo qual eu mais tenho apreço, pois por mais metafórico que seja, é o mais próximo que se pode chegar de uma situação real, onde o desprezível da “gente” poderia vir a ser exposto, pois ratifica os animais que somos e por mais inteligentes que nos imaginemos, mais seres ruins, ingênuos e egoístas nos mostramos.

Eu gosto de citar o livro (também o filme – homônimo – sobre a obra, dirigido pelo brasileiro Fernando Meireles) como um exercício de reflexão àqueles que dizem que o ser humano é bom e na verdade possui apenas desvios de caráter, de conduta, de educação…  A verdade é negativa.  Somos ruins! Mas não é que somos todos sádicos, não é que nos alimentamos de maldade ou coisa do tipo, mas é que o nosso egoísmo traduzido em “sobrevivência” tem justificado atos de autodestruição incompreensíveis.

Ensaio Sobre a Cegueira traz na verdade uma dose de otimismo, pois ilustra o egoísmo em face de um instinto de sobrevivência, sobrecarregado de medo e oportunismo animal, na essência humana da carne, na nossa fraqueza, ante a tão superior e no caso fragilizada capacidade de cognição (que, em tese, nos distinguiria dos cães, por exemplo)…  É forte, mas é assimilável. É ruim, mas é compreensível. Não é que concordamos, mas entendemos as possibilidades e justificativas ainda que em conteste. A situação caótica do filme é muito melhor que o mundo de hoje, é melhor que 2013 na Síria, no Egito, quiçá nas favelas do Brasil, que não são culminadas por catástrofes (como é na história), mas por deficiências e atos vontade.

O filme ilustra em imagens cinematográficas a sobrevivência no caos, mas de forma eufêmica. A interpretação que faço é a de que “pegaram leve” na tela. O homem é capaz de ir muito além, para termos essa certeza é só entrar na internet… Essa semana, se você digitar Síria ou Egito, vai saber do que falo, porque vai encontrar facilmente vídeos de uma violência incomum, generalizada, justificada apenas pela manutenção do poder (sem entrar nos pormenores). O que ocorreria se o motivo fosse a sobrevivência? Meireles maneirou na dose.

Há uma série de discussões políticas e embates diplomáticos que norteiam as atitudes, as decisões, o uso da força, a decisão (ainda não tomada e já tardia!) de intervenção e isso é o que importa, como em um jogo de tabuleiro com pessoas no lugar dos pinos. É a burocracia da conveniência, dos acordos comerciais, das políticas de vizinhança e assim sucede… Enquanto o Obama decide se foi ou não um atentado químico (como se fosse essa a única maneira de se violar direitos da humanidade) lembramos que mais de 100.000 pessoas foram mortas em cerca de dois anos (números apenas na Síria). Segundo o líder Bashar al Assad, o que tem sido feito pelo governo é só uma tentativa de manter a ordem, para não perdê-la para os terroristas etc. Essa afirmação é uma afronta, devíamos (enquanto seres inseridos numa ótica de Estado, subordinados a um regime) nos sentirmos humilhados só em lê-la.

Em breve contexto: Um grupo pequeno de Sírios manifestava em 2011 em Deraa a favor de um grupo de estudantes presos.  Quatro foram mortos pelas tropas do governo, para conter a manifestação. O movimento ganhou força e o número de mortos (entre os manifestantes) sobe para 100. Em setembro já eram mais de 300. O recente ataque químico espreita-se ter matado mais de 1.000. O mundo se silencia, enquanto Damasco chora dentro de um país que por muitos anos sangra, pelo direito de ir e vir, pelo direito de dizer, pelo direito de mudar.  É o preço a ser pago pelo poder. A Rússia, em virtude do interesse político-econômico, apoia o governo vigente, os EUA, em tese, apoiam os rebeldes, mas na prática não auxiliam ninguém e todos nós assistimos ao massacre, que de um lado possui a luta incontestável pelo poder, sem precedentes, sem fronteiras, sem limitações… do outro, a morte de braços dados à resistência, de quem não quer assistir o país retornar às garras do autoritarismo, nem pode sucumbir-se fazendo com que a morte de tantos tenha sido em vão.

A comunidade internacional lê papéis, observa o cofre, faz contas, especula, se reúne, conversa, vota, carimba… Enquanto presenciamos, dia após dia, o espetáculo dantesco do homem sendo lobo do homem na vida real, bem diferente do livro que cito no início do texto, pois o autor (Saramago) errou! E não foi em mostrar que o homem é um ser desprezível por essência, mas por ter omitido que na verdade ele é muito pior. Por ora, o que se observa é exposto nas palavras sensíveis de um amigo: “o mundo tem se tornado cada vez mais um lugar desprezível de se viver”.

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Bosquejos de Vincent – Parte Final

Vide: Bosquejos de Vincent Parte III

Press Play, a música complementa a leitura.

“Que posso fazer por mim, um ser detentor de poucos dotes? Um homem desprovido de qualquer sorte, a face da morte estarrecida em dois rostos. Um lado da partida enterrada a sangue e ferro, a outra que vive, mas que pouco prospera, uma despedida mórbida que aguarda, uma alma ainda encarnada, que apodrece… Helena?”

Abro a porta e permaneço ali, parado, fitando o longe, aguardando os minutos, complacente com o convite do qual não me foste dado o direito de recusar. Submetido a um julgamento de um crime infiel contra alguém quem eu não dei o direito de declinar… Na diferença das nossas significâncias e na semelhança das nossas sentenças, eu lhe proclamo “perdoe-me!”.

Retomo para dentro, mas a porta se mantém aberta, deixando adentrar a friagem das 3h da madrugada… A espinha gela na presença do inóspito, posso escutar a tua voz, mas trazida por outro, por aquele que tem sede da minha alma, tem sina pelo meu mal interior, mas não serei objeto de uma tramoia. Sinto saudade, sinto seu chamado, mas ciente estou de que não fostes tu quem voltastes a me encontrar… Procuro o material prateado (que ainda tem marcas suas), com o qual me causo algumas dores externas, das quais já não me incomodo mais. Vou gotejando rubro, cada degrau que subo aumenta o peso em minhas pernas, visto um colar de fibras entrelaçadas, faço-lhe um arranjo firme… um paço em frente… “Helena, adeus”.

Não sinto mais o frio, o suor, a dor… Ainda há um sangue irrelevante que a pouco se empossa. O chão da sala é palco de um espetáculo vermelho, preto e cinza… a porta aberta, meu corpo balança e os pés não tocam o chão. Há um silêncio absoluto e o cão está ali, deitado ao lado, no carpete, pois viera conferir… O vento volta forte, felicita a minha chegada, parece cantar como nunca, bate a porta de entrada e as janelas balançam. Minha alma sangra e meus olhos se fecham.

“Perdão, Helena. Fiz com que partisse, e tu, fizeste que com me buscassem. Mas os nossos caminhos são díspares e o meu demônio agora dorme, ciente de que não nos sentiremos nunca mais”.