De repente as nuvens decidiram dar-nos um susto. As “águas” estavam mais rápidas que o normal. Aliás, “normal” não era exatamente a palavra certa. Tem gente que disse que viu luz eu nem vi túnel, nem anjo, nem santo, nem nada… A cegueira tomou-me conta, fiz-me surdo, mudo, infiel… Quis não acreditar naquele pra quem todos oram, quis não olhar para o horizonte tão distante dos meus olhos. Nada quis pois nada pude, as coisas estavam por acontecer. Quem sou eu diante da imensidão fria e destinada da ordem dos acontecimentos? “Destino” é uma palavra bonita, cabe bem à ocasião, mas fico com meu ceticismo, o “era pra ser” terá outra hora.
Quando dei por mim, não havia barco, não havia praia, não havia gente… Quando abri os olhos para a vida, meu barco já tinha passado, mas eu continuava ali, na enchente de pedras. Vi homens chorarem, casas desabarem, crianças morrerem. Vi as coisas caírem, as ruínas surgirem e as existências despedaçadas. Rompi o ventre do céu? Ou fora eles, os (negros) afrodescentes? Ou os (brancos) norte-americanos? Ou os Brasileiros? Ou já estava a despencar e desmanchar-se no mais fraco?
Deus foi citado em duzentos idiomas, mas os gritos eram claros e traduzidos por qualquer etnia. As velas poderiam ser para a reza ou para a magia, que diferença faz? Cera derretida não ilumina e concreto caindo impede a oração. Talvez estivéssemos geograficamente longe demais do paraíso, ou então, os celestiais estivessem de férias… Eu voltei à vida, mas o que dizer daqueles que ficaram na ilha, dentro da minha televisão? A quem culpar e a quem agradecer?
Parte do mundo enuncia seus pensamentos preconceituosos. A outra parte, da qual eu venho, torce pelos Haitianos. Que o coração do homem seja maior que sua ignorância, que a força de vontade e a esperança não deixem que sua bandeira se perca e, principalmente, que sua nação não se mantenha eternamente debaixo dos destroços.