vide capítulo primeiro:. https://lpfernandes.wordpress.com/2009/07/03/eles/
Capítulo segundo: Contato
Uma semana depois e lá estavam os quatro, de volta. Dois desamparados e seus dois bêbados. É claro que ainda no início da noite todos se encaixavam apenas em “desamparados”. Estavam lá, alimentando a monotonia da vida; cinco dias de trabalho, uma noite no bar. Dormir até o meio-dia no dia seguinte e reiniciar o ciclo na segunda-feira que sucede.
Ele, como sempre, entra pelos fundos, vem cruzando a pista até o balcão.
Ela, como sempre, na direção contrária, que ir ao banheiro… Cruzam-se no meio do salão.
– Oi.
– Eu te conheço?
– Eu já te vi algumas vezes, senhorita. Mas se você me conhece, cometeu a indelicadeza de entrar no meu sonho e assistir ao que não foi convidada.
– Você é maluco?
– Você é?
– ...Ah, é maluco mesmo.
– Nesse caso, somos dois.
– O que tenho de maluca?
– E o que tenho eu?
– Tem algum problema?
– Todos temos.
– Mas tem algum agora?
– Todos temos. Todo o tempo. …Ou deixa os seus em casa ao ir à padaria?
– O seu caso é sério.
– Talvez nem tanto quanto o seu, ou mais, ou tão quanto. Que importa?
– Sua vida é isso, um aglomerado de incertezas?
– E a sua é onisciente, tens mesmo a convicção exata para tudo?
– Não sei.
–Agora sabe, já que “não sei”, não poderia ser a resposta.
(risos)
– Eu te fiz sorrir.
– Eu sorri por conta própria.
– Mas eu proporcionei.
– Talvez.
– Ta feliz?
– Não sei. Deveria?
– Sorrindo não está triste, ao menos isso.
– Pode ser que sim, pode ser que não.
– Ah, onde estão as suas certezas?
– Então quer suas dúvidas de volta?
– E o louco aqui sou eu?
– Por que não?
– Todos temos loucuras, todos temos problemas…
– Loucura, nem todos. Problemas, você já disse.
– Que seja, permita-me o poder da ênfase. Se eu disser que é louca, é louca, então todos podemos ser.
– Não, se disser que sou louca, direi que não.
– É a sua palavra contra a minha, os seus olhos contra os meus… Não será de toda certeza, nem toda dúvida, será uma possibilidade. Eu acredito, você não, e nos isentaremos da verdade absoluta.
– Então você gosta de filosofia?
– Gosto da vida, por mais que seja mesquinha. Então você gosta de filosofia?
– Gosto de ser mesquinha, por mais que não me importe com a vida. Então não vê verdade no que digo?
– Vejo mais que isso. Vejo o sorriso triste que quer abraço, vejo olhos carentes onde até lágrima, está escasso. Só não vejo o coração que você insiste em camuflar.
– Como sabe se é verdade? Com base em que você afirma tudo isso?
– Não sei.
– A dúvida não faz da vida um risco?
– Nem sempre a dúvida é um risco e nem todo risco é desnecessário.
– Deve fazer algum sentido… Mas não importa, já que só quero fugir.
– De onde?
– “Para onde”, seria a pergunta certa.
– Para ir tem que vir, e para os dois tem que haver um motivo, incentivo ou propósito.
– Definitivamente, sou mesmo a personagem das dúvidas, estava no papel errado.
– Mal sabe quem és, torna-te incapaz de escolher um lado.
– Não quer ir embora…?
– Tudo bem, eu vou.
– Hei, não terminei minha pergunta!
– …Peço que continue sorrindo, encantando loucos e curiosos, como eu.
– Não quer ir…
– Desculpe-me se a importunei.
– Embora…
– Nem precisa concluir. Sou ciente da insanidade que vê em mim.
– …Comigo.
Um silêncio interveio como “sim”…
– Eu vou!