Foram presos. Foram soltos. Foram mortos. Muitos de nós, embora ditos “tortos”. Culpa da justiça. Nem da lei, nem do juiz, nem do réu… Da justiça! Daquilo que representa a virtude e a felicidade da sociedade política (Aristóteles). Superamos, em muito, o romano Ulpiano para quem justiça seria “dar a cada um o que é seu”. Ora, o que é meu? Uma justiça patrimonial é iguaria nobre, que não pertence a ninguém. Se formos justos sob a perspectiva das posses, como ser justo com quem nada tem?
Brasil tu és o que fizemos de você.
Prendemos. Soltamos. Matamos. Cultuamos a violência que lamentamos. Desejamos a condenação sumária da nossa prudência. Perdemos, por prisão perpétua, a nossa condição de (ser)humano. Não nos enxergamos em nós, mas culpamos alguém. Justificamos as escolhas erradas, sem tomar consciência de que somos, dia a dia, fruto de escolhas também. Erramos. E perpetuamos a prática. Aperfeiçoamos a mágica. Cidadão é conceito único, mas não serve mais para o “cidadão de bem” – logo, hoje somos todos, enquanto não somos ninguém.
Brasil, disseram que eu devia deixá-lo. Disseram que você era um fracasso que não havia remédio que o curasse. Paciente em estado terminal, expectador da própria tragédia. Ora, somos as artérias cheias de sangue que lhe vitaliza e o gume que pela pele desliza lhe causando aquilo que o fere.
A contradição em lidar com o criminoso antes de lidar com o crime. Com o remédio antes de lidar com a saúde. Com a epidemia, antes do saneamento básico. Com a ignorância antes do ensino. Com o imediato antes do contínuo.
Nós somos o erro daqui. E erramos na tarefa de existir… A gente fica, vê se melhora um pouco, e deixa o Brasil partir.
Somos a antítese da virtude que clamamos:
Na fila, na escola, no banco, na carteira, no troco, na passagem, no estacionamento, na vaga, no trânsito, no sinal, na faixa, na vida, na carreira, na escolha, na renúncia, no silêncio, na conivência, na ignorância, na ausência, na estupidez, na nudez da nossa indiferença posto que somos o projeto da nossa existência, perplexos com a cultura que alimentamos na origem. Vilipendiamos aqueles que entendemos serem os únicos obrigados a agir com decência, na ilusão da nossa imunidade absoluta nunca concedida.
A desonestidade tem sido a nossa alma, enquanto a hipocrisia, a nossa essência.
Brasil, você deu certo. Nós é que demos errado. Abandone-nos, ou morra no mesmo barco.
[Igualmente publicado em Obvious.]